Matando o futuro
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSO), divulgaram ao longo dessa semana, a segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil.
Os dados mostram que nos últimos três anos, mais de 15 mil crianças e adolescentes de até 19 anos, foram mortos de maneira violenta no país.
Ao longo desse período, o número de mortes causadas por intervenção policial aumentou progressivamente.
Números assustadores
No ano de 2021, foram registradas 4.803 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes. No ano seguinte, esse número aumentou para 5.354, e teve uma pequena queda em 2023, registrando 4.944 mortes.
“É um cenário estarrecedor. É realmente um absurdo que a gente perca 15 mil vidas de crianças e adolescentes em três anos”, define a oficial de Proteção contra Violências do Unicef, Ana Carolina Fonseca, para a Agência Brasil.
Muito provavelmente, esse número total real de mortes no Brasil tendem a ser ainda mais alto, já que os dados relativos a 2021 não foram apresentados pelo estado da Bahia.
Dados do levantamento
O levantamento apresentou dados de registros criminais como homicídio doloso (quando há intenção de matar), feminicídio, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e mortes causadas por intervenção policial. Informações sobre violência sexual também foram coletadas.
O FBSP é uma organização não governamental formada por profissionais da área de segurança, acadêmicos e representantes da sociedade civil.
Da mesma maneira que outros tipos de violência que atingem a população brasileira, independentemente da idade, a morte violenta de crianças e adolescentes afetam principalmente a população negra.
No último triênio, 91,6% dos casos que envolvendo morte violenta de crianças e adolescentes envolveram pessoas com idade entre 15 e 19 anos, desses, 82,9% eram pretos e pardos e 90% deles eram do sexo masculino.
Fator cor
Outro dado revelado pelo levantamento foi em relação à taxa de mortes violentas para cada grupo de 100 mil negros, com idade até 19 anos. Para esse grupo, a taxa foi de 18,2, enquanto entre brancos, a mesma taxa é de 4,1. Esse valor equivale dizer que um adolescente negro do sexo masculino, tem 4,4 vezes mais chance de ser assassinado no Brasil do que um adolescente branco.
“O desafio que se coloca é realmente de enfrentar o racismo, que está presente também na ação das forças policiais, na forma como serviços se estruturam para responder a essas mortes, tanto do ponto de vista da prevenção, quanto de investimento de apuração, responsabilizar por essas mortes”, complementa a representante do Unicef.
Violência policial
O período de três anos analisados pelo relatório, constatou o aumento da parcela de mortes de jovens causados por intervenção policial.
Em 2021, essas intervenções respondiam por 14% dos casos, aumentando para 17,1% no ano seguinte e subindo um pouco mais em 2023, alcançando os 18,6%. Números que representam uma em cada cinco mortes violentas.
Quando analisadas as taxas de letalidade causada pelas polícias, entre os indivíduos de idade superior a 19 anos, chega a 2,8 mortes por 100 mil, o grupo com idade entre 15 e 19 anos alcança 6 mortes por 100 mil habitantes. Valor maior que o dobro em comparação com os adultos.
A representante do Unicef observa que 18 estados apresentam mortes de pessoas até 19 anos por ação da polícia, menores que a média nacional (1,7 por 100 mil).
Os índices mais altos estão no Amapá (10,9), Bahia (7,4), Sergipe (3,7), Rio de Janeiro (3,1), Mato Grosso (2,9), Pará (2,5), Rio Grande do Norte (2,3) e Espírito Santo (1,9). O estado de Goiás não forneceu os dados de mortes causados por intervenção da polícia.
“A gente precisa olhar para o Brasil, entendendo as diferenças e buscar, justamente, esses locais onde esse uso da força está sendo feito de forma excessivamente letal, que destoa do restante do país”, sugere Ana Carolina.
Violência urbana
O relatório também mostra que entre jovens maiores de 15 anos, as mortes totais no Brasil estão atreladas a características que insinuam o envolvimento com a violência armada. Mais da metade desses crimes são cometidos em via pública e por pessoas desconhecidas.
Comparando os dados de vítimas masculinas e femininas, entre as pessoas com idade ente 10 e 19 anos, constata-se que as meninas são mais vítimas de armas brancas e agressões do que os meninos.
Entre 2021 e 2023, aproximadamente 20% das vítimas do sexo feminino foram mortas por arma branca e 5%, em média, por agressão. Já entre os homens, as mortes causadas por arma branca chegaram a 8% dos casos e as agressões não chegam a 2%.
Quando se fala do autor do crime, entre as meninas assassinadas, 69,8% eram conhecidos das vítimas. Já as vítimas masculinas, apenas 13,2% foram cometidos por pessoas conhecidas.