Vacina inédita
Um teste clínico histórico para a saúde mundial será realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que será responsável pelo desenvolvimento de uma etapa da vacina contra a hanseníase.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no início da semana a realização dos testes em humanos. Caso o resultado da pesquisa obtenha as respostas desejadas, poderá ser o caminho para o país contar com uma vacina gratuita contra a doença.
A LepVax, nome dado ao imunizante, poderá ser a primeira vacina para se proteger contra a doença.
Testes seguros
O imunizante foi desenvolvido pelo Access to Advanced Health Institute (AAHI), um instituto americano sem fins lucrativos que trabalha com pesquisa biotecnológica.
Através da moderna tecnologia de subunidade proteica, a vacina obteve testes pré-clínicos promissores no combate a bactéria Mycobacterium leprae, agente causador da doença.
Até alcançar a etapa de estudos em seres humanos no Brasil, que terá a participação de 54 voluntários, a vacina já mostrou ser segura em testes realizados em 24 pessoas sadias nos Estados Unidos.
Sem apresentar nenhum registro adverso grave, o estudo atestou a segurança da vacina e também apontou imunogenicidade, o que significa a capacidade de causar estímulo a resposta imunológica.
Testes no Brasil
Com os testes realizados no Brasil, os pesquisadores poderão observar quais os efeitos da LepVax em um território onde existe a transmissão da doença.
Em todo o continente americano, o Brasil concentra 90% dos casos da doença, e segue como o segundo país no mundo em números de notificações envolvendo a enfermidade, ficando atrás apenas da Índia.
Dados do Ministério da Saúde mostram que de 2014 a 2023, o país registrou quase 245 mil novas infecções, sendo 22.773 novos casos apenas no ano passado.
Considerando os dados do cenário epidemiológico do país, os pesquisadores acreditam que seja provável que o sistema imunológico de uma grande parte da população já tenha tido contato anterior com a microbactéria, o que pode ter influência na resposta da vacina.
Roberta Olmo, chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz, destaca que a realização do ensaio clínico na Fiocruz reflete o reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional.
“A eliminação sustentada da hanseníase enquanto problema de saúde pública requer uma vacina. Neste cenário, a LepVax surge como uma vacina profilática e terapêutica, que poderá contribuir para as metas de controle da doença”, afirma Roberta.
O enfrentamento da hanseníase está no alvo do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente (Cieds), que vem funcionando desde junho. Contendo 9 pastas, o grupo é liderado pelo Ministério da Saúde na busca de soluções que combatam doenças negligenciadas, que muitas vezes são associadas à pobreza e a fatores sociais.
Fazem parte das metas do imunizante, a interrupção da transmissão em 99% das cidades, a eliminação da doença em 75% das cidades e também a redução de 30% do número absoluto de novos casos que tenham incapacidade física aparente, no instante em que for diagnosticado, até o ano de 2030.
Três doses
A segurança e a imunogenicidade do imunizante serão avaliados pelo Instituto Oswaldo Cruz, que vai investigar também o uso de duas formulações distintas do imunizante, contendo baixa e alta dose de antígeno.
Para isso acontecer, os voluntários serão divididos aleatoriamente em três grupos. Dois grupos vão receber a vacina, um com a dose baixa e o outro com a dose alta. O terceiro grupo receberá o placebo, uma solução sem efeito biológico. Cada um dos participantes vai receber três doses correspondentes ao seu grupo, com um intervalo de 28 dias. Após esse período, eles serão acompanhados durante um ano.
Para ser voluntário é preciso ter entre 18 e 55 anos, ter boas condições de saúde, e no caso das mulheres, não pode estar grávida. Pessoas que já tiveram a doença ou mantiveram contato próximo com infectados, não podem participar dos testes.
Um texto divulgado pelo Instituto Oswaldo Cruz, de autoria do dermatologista e pesquisador do Ambulatório Souza Araújo, Cássio Ferreira, explica como a segurança da vacina será avaliada mediante acompanhamento clínico e por exames laboratoriais.
“Nos Estados Unidos, o resultado foi muito positivo, sem nenhum evento adverso de maior gravidade. As reações registradas, como dor no local da injeção, cansaço e dor de cabeça, são comuns em imunizações. Essa primeira demonstração de segurança foi fundamental para a pesquisa avançar.”
O Instituto Oswaldo Cruz foi escolhido como centro clínico responsável pelos testes e tem como patrocinador o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). O projeto da LepVax tem financiamento da entidade filantrópica American Leprosy Missions (ALM), sediada nos Estados Unidos e, que lidera o desenvolvimento da vacina desde 2002.
No Brasil, o financiamento é feito pelo Ministério da Saúde e do fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund (GHIT Fund). A Fundação de Saúde Sasakawa, do Japão, é parceira da pesquisa.